Módulo 5: Introdução à saúde materna, neonatal e do lactente no contexto das redes de atenção à saúde
Unidade 4: Perfil epidemiológico relacionado à saúde materna, neonatal e do lactente, e Sistemas de Informação em Saúde

Perfil epidemiológico relacionado à saúde materna, neonatal e do lactente
Perfil epidemiológico relacionado à saúde materna, neonatal e do lactente

Perfil epidemiológico da mulher no Brasil

Considerando as desigualdades de poder entre homens e mulheres, e sabendo das implicações destas nas condições de saúde das mulheres, as questões de gênero devem ser consideradas como um dos determinantes da saúde. Assim, é fundamental utilizarmos a perspectiva de gênero na análise do perfil epidemiológico e no planejamento de ações de saúde que tenham como objetivo promover a melhoria das condições de vida, a igualdade e os direitos de cidadania da mulher.

Considerando, ainda, a heterogeneidade das condições sociais, econômicas, culturais, de acesso aos serviços de saúde que caracterizam as regiões do Brasil, é esperado que o perfil epidemiológico da população feminina seja diferente de uma região para outra. Assim, os indicadores epidemiológicos do Brasil mostram doenças que são mais frequentes em países desenvolvidos, como as cardiovasculares e crônico-degenerativas; e doenças e agravos típicos de países em desenvolvimento, como mortalidade materna e desnutrição.

No Brasil, as principais causas de morte da população feminina são: as doenças cardiovasculares, destacando-se o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral; as neoplasias, principalmente o câncer de mama, de pulmão e o de colo do útero; as doenças do aparelho respiratório – pneumonias; doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, com destaque para o diabetes; e causas externas.

O perfil de saúde e doença varia no tempo e no espaço, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico, social e humano de cada região.

No Brasil, destaca-se a importância da análise de dados provenientes do IBGE e DATASUS como subsídios para traçar o perfil epidemiológico de mulheres e crianças. No que se refere à saúde materna, vamos discutir nesse estudo sobre o grande desafio do Brasil em reconhecer e incorporar a concepção das relações de gênero nas práticas do SUS e dos Serviços Sociais na gestão e na atenção e cuidado à saúde da mulher.

Composição do perfil

Apresentaremos agora alguns aspectos importantes na composição do perfil epidemiológico da saúde da mulher, em especial no segmento relacionado à saúde materna:

O aborto/abortamento
No Brasil, a legislação vigente proíbe a indução de abortos. As exceções estão nos casos em que a gravidez resulta de estupro ou põe em risco a vida da mulher. Há casos considerados especiais como em anomalias fetais severas, em que, após autorização judicial o aborto é permitido.

O aborto ocorre espontaneamente em 15 a 20% das gestações conhecidas, sendo 80% desses nas primeiras 12 semanas. A maioria dos abortos espontâneos ocorre devido a anomalias estruturais ou cromossômicas do embrião. A ocorrência diminui com o aumento da idade gestacional. O risco de aborto depois de 15 semanas é de cerca de 0,6%, variando de acordo com idade e etnia da gestante. No Brasil, pesquisa de abrangência nacional, realizada nas capitais e no Distrito Federal em 2002, evidenciou que 11,4% dos óbitos maternos foram devido a complicações de abortos (BRASIL, 2010*).

No site da AADS/Ipas Brasil - Ações Afirmativas em Direitos e Saúde | Ipas Brasil você vai encontrar mais material sobre a saúde sexual e reprodutiva das mulheres. A missão da AADS/Ipas Brasil é a de garantir orientações e opções de acesso seguro ao atendimento à saúde sexual e reprodutiva de mulheres e adolescentes no Brasil. Disponível em: http://www.aads.org.br.
O aborto/abortamento ilegal
Sabemos que abortos ilegais ocorrem de forma insegura, contribuindo para o aumento da morbidade e da mortalidade materna e ainda, restringindo a fidedignidade das estatísticas sobre o aborto. Entre as causas de morte materna, aquelas decorrentes das complicações de aborto são as mais subnotificadas. Estas mortes afetam mais as mulheres jovens, negras, pobres e residentes em áreas periurbanas. As estimativas mostram que mulheres negras têm um risco três vezes maior de morrer em decorrência de abortos inseguros do que mulheres brancas.

É importante destacar que na sociedade brasileira e, consequentemente, no Congresso Nacional, há divergência de opiniões sobre o aborto. Há projetos propondo a ampliação dos direitos de livre escolha, incluindo a descriminalização do aborto; enquanto há outras que pretendem tornar ilegal todas as formas de aborto.

Quanto aos fatores de risco associados ao aborto espontâneo estão: idade materna, história de aborto espontâneo prévio; hábitos como o fumo, álcool e cocaína; uso de anti-inflamatórios não esteróides; alterações anatômicas uterinas; peso materno; e traumatismos.
Mortalidade materna
Apesar da assistência à mulher no ciclo grávido-puerperal ser um dos principais focos da atenção às mulheres nos diversos setores públicos do Brasil, melhorar a saúde materna e impedir mortes maternas e infantis é um dos objetivos de maior interesse nacional e internacional no que tange a saúde, direitos sociais e reprodutivos. As disparidades regionais presentes em todas as regiões do país e já apontadas neste e em outras unidades, revelam as diferenças socioeconômicas e desigualdades no acesso de mulheres aos serviços de saúde.

Na Conferência de Nairóbi, em 1987, a redução da morte materna foi assumida como compromisso por todos os países em desenvolvimento. A 23ª Conferência Sanitária Pan-Americana, em 1990, recomendou a implantação de um sistema de vigilância da mortalidade materna nos países da América Latina.
Vigilância epidemiológica da morte materna
No Brasil, a Portaria nº 1.399, de 1999, do Ministério da Saúde, estabelece que a vigilância epidemiológica da morte materna é atribuição do município. Nos locais onde os setores de vigilância epidemiológica não estão aptos a assumi-la, recomenda-se que os Comitês de Prevenção da Morte Materna o façam. Os Comitês de Prevenção da Morte Materna são importantes instrumentos na redução dos óbitos, pois a partir da melhoria das informações disponíveis sobre morte materna os governos podem estabelecer políticas mais eficazes de assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal.

A mortalidade materna no Brasil incide desproporcionalmente em mulheres afrodescendentes, mestiças, indígenas, pobres e solteiras que vivem nas regiões mais pobres do Brasil. Este cenário demonstra que o Estado brasileiro viola o direito a não discriminação por motivo de sexo; o direito à igualdade entre mulheres e homens; e o direito à saúde, devido à sua negligência e omissão em prover acesso efetivo a serviços de atenção à saúde para mulheres grávidas.
Dados estatísticos da mortalidade materna
O que mascara os dados de mortes maternas é a falta de informação sobre os óbitos de mulheres no ciclo grávido-puerperal sobre as mortes maternas. Este é um fenômeno que ocorre em quase todo o mundo. Assim, a magnitude da mortalidade materna é muito mais elevada do que a que se observa. Essas diferenças estão ligadas diretamente à qualidade, disponibilidade e acesso à assistência à saúde. As causas de óbitos maternos no Brasil são devidas a causas obstétricas diretas (90%) e menos de 10% a causas obstétricas indiretas.

Os Comitês de Prevenção da Morte Materna são importantes instrumentos na redução dos óbitos, pois a partir da melhoria das informações disponíveis sobre morte materna os governos podem estabelecer políticas mais eficazes de assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal.

BRASIL. Indicadores sociodemográficos e de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2009/2010.

Ainda sobre os aspectos importantes na composição do perfil epidemiológico da saúde da mulher, em especial no segmento relacionado à saúde materna, acompanhe abaixo mais dois assuntos de extrema importância sobre a saúde mental da mulher e violência.

Violência

Agora, com relação à Violência, este tema faz parte de um novo perfil epidemiológico construído a partir de doenças associadas às condições, situações e estilos de vida. Neste cenário, a violência entra como a segunda principal causa de mortes no Brasil (MINAYO, 2005*) e caracteriza-se por um problema multifacetado, resultante da complexa interação entre fatores biológicos, individuais, psicológicos, de relacionamento, ambientais, culturais e sociais. Faz-se necessário, portanto, confrontar a violência nos diversos níveis e setores da sociedade, com destaque para as ações de saúde pública (KRUG et al., 2002; OLIVEIRA, ALMEIDA, MORITA, 2011*).

A agressão perpetrada contra a mulher denomina-se violência de gênero, do homem contra a mulher. A violência contra a mulher é um problema social e de saúde pública, um fenômeno mundial não determinado por classe social, raça, religião, idade ou grau de escolaridade, demandando esforços de várias esferas para sua prevenção e intervenção (AZEREDO, 2009; KASLOW et al., 2010*).

Destacamos a importância de se identificar alguns fatores que podem aumentar o risco da ocorrência de Violência por Parceiro Íntimo (VPI), tais como: a presença de violência em relacionamentos anteriores; elevado tempo de convivência em situação de violência; baixa capacidade de negociação quanto aos aspectos conflitivos da relação; baixa autoestima e pouca autonomia; exagerado sentimento de posse; uso de álcool e/ou outras drogas por um ou ambos os membros do casal; dependência econômica e emocional excessivas entre os parceiros; tendência ao isolamento e fechamento da relação; e contexto do início da relação indicativo de violência (BRASIL, 2001*).

* AZEREDO, M. F. P. Repercussões da violência sob a gestação percebidas pelas gestantes com Síndromes Hipertensivas. 2009. 94 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem, Rio de Janeiro, 2009.

* BRASIL. Ministério da Saúde. Programa de humanização no pré-natal e nascimento. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2001.

* KASLOW, N. J. et al. Suicidal, abused African American women’s response to a culturally informed intervention. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Arlington, v. 78, n. 4, p. 449-458, 2010.

* KRUG, E. G. et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002.

* OLIVEIRA, C.C.; ALMEIDA, M.A.S.; MORITA, I. Violence and health: conceptualizations by professionals from a Primary Healthcare Service. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 35, n. 9, p. 412-420, 2011.

Um aspecto preocupante no que se refere à saúde das mulheres em situação de violência é a continuidade das agressões durante o ciclo grávido-puerperal (GAZMARARIAN et al., 2000*), mesmo sendo esta uma fase do ciclo de vida em que se espera maior proteção e cuidado (MENEZES et al., 2003*).

* GAZMARARIAN, J. A. et al. Violence and reproductive health: current knowledge and future research directions. Maternal and Child Health Journal, v. 4, n. 2, p. 79-84, 2000.

* MENEZES, T. C. et al. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 25, n. 5, p. 309-316, 2003.

No Brasil, estudos que trataram da VPI na gravidez encontraram uma prevalência de violência física entre 7 e 20% (MENEZES et al., 2003; MORAES, ARANA, REICHENHEIM, 2010*). Pesquisas que investigaram a VPI durante a gestação revelaram uma associação deste fenômeno com eventos adversos maternos e fetais (BOY, SALIHU, 2004*).

A mulher vítima de pelo menos um ato de violência física durante a gestação está mais propensa ao acompanhamento pré-natal inadequado (MORAES; ARANA, REICHENHEIM, 2010*).

Leung et al. (2002*) destacam que a violência contra mulheres durante a gravidez tem sido associada a um aumento na incidência de eventos adversos, como aborto espontâneo, parto prematuro, sofrimento fetal, baixo peso ao nascer e depressão pós-parto.

* BOY, A.; SALIHU, H. M. Intimate partner violence and birth outcomes: a systematic review. International Journal of Fertility and Women’s Medicine, v. 49, p. 159–164, 2004.

* LEUNG, W. C. et al. Domestic violence and postnatal depression in a Chinese community. International Journal of Gynecology & Obstetrics, v. 79, n. 2, p. 159-166, 2002.

* MENEZES, T. C. et al. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 25, n. 5, p. 309-316, 2003.

* MORAES, C. L.; ARANA, F. D.; REICHENHEIM, M. E. Physical intimate partner violence during gestation as a risk factor for low quality of prenatal care. Revista de Saúde Pública, v. 44, n. 4, p. 667-676, 2010.