Considerando as desigualdades de poder entre homens e mulheres, e sabendo das implicações destas nas condições de saúde das mulheres, as questões de gênero devem ser consideradas como um dos determinantes da saúde. Assim, é fundamental utilizarmos a perspectiva de gênero na análise do perfil epidemiológico e no planejamento de ações de saúde que tenham como objetivo promover a melhoria das condições de vida, a igualdade e os direitos de cidadania da mulher.
Considerando, ainda, a heterogeneidade das condições sociais, econômicas, culturais, de acesso aos serviços de saúde que caracterizam as regiões do Brasil, é esperado que o perfil epidemiológico da população feminina seja diferente de uma região para outra. Assim, os indicadores epidemiológicos do Brasil mostram doenças que são mais frequentes em países desenvolvidos, como as cardiovasculares e crônico-degenerativas; e doenças e agravos típicos de países em desenvolvimento, como mortalidade materna e desnutrição.
No Brasil, as principais causas de morte da população feminina são: as doenças cardiovasculares, destacando-se o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral; as neoplasias, principalmente o câncer de mama, de pulmão e o de colo do útero; as doenças do aparelho respiratório – pneumonias; doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, com destaque para o diabetes; e causas externas.
O perfil de saúde e doença varia no tempo e no espaço, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico, social e humano de cada região.
No Brasil, destaca-se a importância da análise de dados provenientes do IBGE e DATASUS como subsídios para traçar o perfil epidemiológico de mulheres e crianças. No que se refere à saúde materna, vamos discutir nesse estudo sobre o grande desafio do Brasil em reconhecer e incorporar a concepção das relações de gênero nas práticas do SUS e dos Serviços Sociais na gestão e na atenção e cuidado à saúde da mulher.
Composição do perfil
Apresentaremos agora alguns aspectos importantes na composição do perfil epidemiológico da saúde da mulher, em especial no segmento relacionado à saúde materna:
BRASIL. Indicadores sociodemográficos e de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2009/2010.
Ainda sobre os aspectos importantes na composição do perfil epidemiológico da saúde da mulher, em especial no segmento relacionado à saúde materna, acompanhe abaixo mais dois assuntos de extrema importância sobre a saúde mental da mulher e violência.
Violência
Agora, com relação à Violência, este tema faz parte de um novo perfil epidemiológico construído a partir de doenças associadas às condições, situações e estilos de vida. Neste cenário, a violência entra como a segunda principal causa de mortes no Brasil (MINAYO, 2005*) e caracteriza-se por um problema multifacetado, resultante da complexa interação entre fatores biológicos, individuais, psicológicos, de relacionamento, ambientais, culturais e sociais. Faz-se necessário, portanto, confrontar a violência nos diversos níveis e setores da sociedade, com destaque para as ações de saúde pública (KRUG et al., 2002; OLIVEIRA, ALMEIDA, MORITA, 2011*).
A agressão perpetrada contra a mulher denomina-se violência de gênero, do homem contra a mulher. A violência contra a mulher é um problema social e de saúde pública, um fenômeno mundial não determinado por classe social, raça, religião, idade ou grau de escolaridade, demandando esforços de várias esferas para sua prevenção e intervenção (AZEREDO, 2009; KASLOW et al., 2010*).
Destacamos a importância de se identificar alguns fatores que podem aumentar o risco da ocorrência de Violência por Parceiro Íntimo (VPI), tais como: a presença de violência em relacionamentos anteriores; elevado tempo de convivência em situação de violência; baixa capacidade de negociação quanto aos aspectos conflitivos da relação; baixa autoestima e pouca autonomia; exagerado sentimento de posse; uso de álcool e/ou outras drogas por um ou ambos os membros do casal; dependência econômica e emocional excessivas entre os parceiros; tendência ao isolamento e fechamento da relação; e contexto do início da relação indicativo de violência (BRASIL, 2001*).
* AZEREDO, M. F. P. Repercussões da violência sob a gestação percebidas pelas gestantes com Síndromes Hipertensivas. 2009. 94 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem, Rio de Janeiro, 2009.
* BRASIL. Ministério da Saúde. Programa de humanização no pré-natal e nascimento. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2001.
* KASLOW, N. J. et al. Suicidal, abused African American women’s response to a culturally informed intervention. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Arlington, v. 78, n. 4, p. 449-458, 2010.
* KRUG, E. G. et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002.
* OLIVEIRA, C.C.; ALMEIDA, M.A.S.; MORITA, I. Violence and health: conceptualizations by professionals from a Primary Healthcare Service. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 35, n. 9, p. 412-420, 2011.
Um aspecto preocupante no que se refere à saúde das mulheres em situação de violência é a continuidade das agressões durante o ciclo grávido-puerperal (GAZMARARIAN et al., 2000*), mesmo sendo esta uma fase do ciclo de vida em que se espera maior proteção e cuidado (MENEZES et al., 2003*).
* GAZMARARIAN, J. A. et al. Violence and reproductive health: current knowledge and future research directions. Maternal and Child Health Journal, v. 4, n. 2, p. 79-84, 2000.
* MENEZES, T. C. et al. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 25, n. 5, p. 309-316, 2003.
No Brasil, estudos que trataram da VPI na gravidez encontraram uma prevalência de violência física entre 7 e 20% (MENEZES et al., 2003; MORAES, ARANA, REICHENHEIM, 2010*). Pesquisas que investigaram a VPI durante a gestação revelaram uma associação deste fenômeno com eventos adversos maternos e fetais (BOY, SALIHU, 2004*).
A mulher vítima de pelo menos um ato de violência física durante a gestação está mais propensa ao acompanhamento pré-natal inadequado (MORAES; ARANA, REICHENHEIM, 2010*).
Leung et al. (2002*) destacam que a violência contra mulheres durante a gravidez tem sido associada a um aumento na incidência de eventos adversos, como aborto espontâneo, parto prematuro, sofrimento fetal, baixo peso ao nascer e depressão pós-parto.
* BOY, A.; SALIHU, H. M. Intimate partner violence and birth outcomes: a systematic review. International Journal of Fertility and Women’s Medicine, v. 49, p. 159–164, 2004.
* LEUNG, W. C. et al. Domestic violence and postnatal depression in a Chinese community. International Journal of Gynecology & Obstetrics, v. 79, n. 2, p. 159-166, 2002.
* MENEZES, T. C. et al. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 25, n. 5, p. 309-316, 2003.
* MORAES, C. L.; ARANA, F. D.; REICHENHEIM, M. E. Physical intimate partner violence during gestation as a risk factor for low quality of prenatal care. Revista de Saúde Pública, v. 44, n. 4, p. 667-676, 2010.