Módulo 5: Introdução à saúde materna, neonatal e do lactente no contexto das redes de atenção à saúde
Unidade 1: O contexto histórico-social da atenção à saúde materna, neonatal e do lactente

Perfil da mulher e da criança brasileiras
O contexto histórico-social da atenção à saúde da criança

O contexto histórico-social da mulher na concepção, gestação, parto e nascimento

A gestação e a fecundação do ser humano, desde os primeiros tempos, estiveram envolvidas por mistérios, tabus, preconceitos e rituais que buscavam explicar o incompreensível, o não visto, a causa geradora do ser humano, bem como o seu desenvolvimento. Os mitos em relação à gravidez eram e continuam sendo incontáveis, desde os tempos mais antigos, passando por alterações de acordo com cada cultura e momento histórico. Por outro lado, os seres humanos tentaram também compreender a concepção e a gestação, atribuindo como suas causas a ação de animais, plantas e espíritos divinos.

Veja como isso se deu em diferentes momentos da história:

Na antiguidade
Na antiguidade, a gravidez era extremamente valorizada, em razão de sua finalidade, a perpetuação da espécie. Em determinadas culturas as mulheres grávidas eram colocadas acima da humanidade, escolhidas por Deus, para dar continuidade à vida humana, sendo respeitadas e cultuadas através da religião.
No período romano
No período romano, a gestação representava a efetivação da união e dava direito a um dote ao cônjuge, aumentando o seu legado. Além disso, a gestação gerava mais homens, o que fortalecia os exércitos. Contudo, as mulheres tinham seu destino determinado pela maternidade, uma vez que, no mundo romano, a primeira certeza era o risco mortal da gravidez e, principalmente, dos partos, em todas as classes sociais. Cerca de 5 a 10% das mulheres morriam de parto e de suas sequelas. Nem parteiras, nem médicos estavam seguros de levar um parto a um final feliz. As gestantes temiam os partos e pediam conselhos aos médicos e parteiras, que em decorrência dos riscos inerentes a esta fase da vida, preconizavam a abstinência sexual na gravidez (ROUSSELE, 1990*). A gravidez, naquela época, era considerada uma situação de grande risco ao binômio mãe e filho, sendo pouco compreendida pelos “experts” da área.

*ROUSSELE, A. A política dos corpos entre procriação e continência em Roma. In PERROT, M., DUBY G. História das mulheres no Ocidente: antigüidade. Afrontamento. Porto, v. 1, 1990.

Na Idade Média
Na Idade Média (séculos V ao XV) até o século XVIII, novas especulações surgiram em torno da concepção. Discutia-se também, entre os intelectuais e médicos, a concepção, utilizando a Teoria Seminista.

A teoria seminista atribuía ao homem, com seu sêmen, o principal papel na fecundação, sendo a mulher apenas uma caixa vazia onde o esperma era depositado. A Teoria ovista, pelo contrário dava preponderância ao óvulo e ao papel feminino no processo de reprodução.
No século XIII
No século XIII, a procriação e educação da prole constituíam bens do casamento, mas gerar filhos representava, para as mães, a condenação pelo pecado de Eva. A obrigação primeira da mãe em relação à prole era, portanto, a de colocar no mundo os filhos, e gerar continuamente até a morte. Nessa perspectiva, a gravidez e o parto, lidos na óptica da condenação bíblica, apareciam como os momentos mais trágicos da vida miserável de todos, em especial das mulheres (VECCHIO, 1990*).

* VECCHIO, S. A boa esposa. In. PERROT M., DUBY, G. História das mulheres no ocidente-idade Média. Porto: Afrontamento, 1990. v. 2, p. 143-183.

Entre 1250 e 1500
Entre 1250 e 1500, a gravidez e o parto ainda constituíam um verdadeiro risco de vida para a mulher. No final da Idade Média, a gravidez, o parto e todas as práticas e conhecimentos a eles relacionados permaneciam no domínio exclusivo das mulheres. Os homens não tinham experiência, nem direito de se pronunciar. O acesso ao quarto da parturiente era oculto, sob o véu e veredicto do pudor e aos homens era vetado esse espaço.
A partir do Século XIII
Os meios de intervenção das parteiras eram limitados. As cesarianas, por exemplo, apenas puderam ser praticadas ocasionalmente, a partir do século XIII e só em mulheres mortas. As intervenções como a episiotomia e as poções para acelerar as contrações ou o fórceps, eram desconhecidas, o que ocasionou inúmeras mortes. Também era difícil a detecção precoce da gravidez, ficando a critério da própria mulher, a definição desse estado, sendo considerado diagnóstico seguro o momento a partir do qual o feto movimentava-se pela primeira vez.

Do século XIV ao século XVI, o papel da mulher na gestação foi pouco considerado. No final do século XVI e início do XVII, porém, alguns intelectuais, entre eles, Pierre de La Primaudaye, tentavam comprovar que ambos os sexos eram perfeitos, cada um com seu valor intrínseco.

A multiplicidade das obras de obstetrícia, desde o século XVI, atestava a evolução médica e também uma nova consciência dos clínicos, que consideravam a mulher um ser valetudinário, cabendo ao médico aliviar sua dor e convencê-la a aceitar, sem revolta, a sua condição desfavorável e frágil. Essa situação não permaneceu assim durante muito tempo. No século XIX, resolvidas as dúvidas em relação à fecundação, os médicos passaram a se preocupar com os sinais e sintomas de gravidez e o tempo de duração da mesma. Para eles, a gestação da mulher não tinha duração fixa, podendo durar de sete a onze meses (CRAMPE-CASNABET, 1990*).

* CRAMPE-CASNABET, M. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In: PERROT, M., DUBY, G. História das mulheres no ocidente: do renascimento à idade média. Afrontamento. Porto, v. 3, p. 371-373, 381-395, 410-455, 1990.

Paralelo aos avanços médicos, a cultura católica do século XIX valorizava o papel materno, instituindo o século da mãe. A elevada mortalidade materno-infantil tornava a maternidade uma situação de risco natural (GIORGIO, 1990*). Desta forma, as mulheres grávidas deviam tornar-se objeto de vigilância ativa e de respeito religioso. Assim, a medicina propunha a proteção da mulher, isentando-a de trabalhos pesados. Vigiava todas as suas atividades, limitando seus passatempos, controlando a gravidez e a mulher. A preocupação com os riscos na gravidez tornava-se evidente, quando foram estabelecidos cuidados preventivos visando evitar as complicações. Observava-se, no entanto, que sob a ótica do moralismo vitoriano, a gravidez tornava-se tabu. A mulher que se encontrava neste “estado interessante”, saía pouco de casa e mostrava-se o menos possível. Da mesma forma, falar sobre o processo do nascimento tornava-se proibitivo.

* GIORGIO, M. O modelo católico. In. PERROT, M., DUBY, G. História das mulheres no Ocidente: o século XIX. Afrontamento. Porto, v. 3, p. 199-203, 1990.

A Era Vitoriana foi o período no qual a Rainha Vitória reinou sobre a Inglaterra, no século XIX, durante 63 anos, de junho de 1837 a janeiro de 1901. Ela subiu ao trono quando seu tio, Guilherme VI, morreu sem deixar herdeiros. Ela fora coroada ainda muito jovem, aos 18 anos. Além do enriquecimento da classe burguesa da Inglaterra, a era vitoriana se caracterizou também pela rigidez de princípios moralistas e por uma típica solidez política.