Módulo 5: Históricos e Conceituais da Saúde Mental e Atenção Psicossocial
Unidade 1: Aspectos históricos e fundamentos da psiquiatria, da saúde mental e da atenção psicossocial

Recortes históricos da loucura: saber em construção
Aspectos das Reformas Psiquiátricas

Linha do tempo

Desde os primórdios da história, a loucura é interpretada e cuidada de acordo com o modo de vida da época. Dessa forma, os seres humanos que não se comportavam de acordo com as normas vigentes eram tidos como anormais/loucos.

A cultura e suas normas sociais influenciam desde a antiguidade no modo como a loucura é vista e tratada na sociedade atual e nas formas como é estudada e cuidada pelos profissionais de saúde. Vale fazer uma retrospectiva para compreendermos os vários olhares para a loucura, desde a Antiguidade, passando pela Idade Média até chegarmos aos dias atuais para olharmos sob outra perspectiva e darmos vez, voz e cuidado para os seres humanos em sofrimento.

A seguir apresentaremos como era percebido o louco/loucura nos diferentes períodos históricos.

Linha do Tempo

A sociedade explicou e tratou a loucura de diferentes maneiras em diferentes momentos. O modo como uma sociedade particular reage a uma anormalidade depende dos seus valores e suposições sobre a vida e o comportamento humanos. A história e a evolução do pensamento concernente à loucura serão abordados brevemente. Lembramos que as modificações se dão aos poucos e em partes, portanto, podemos, ainda hoje, encontrar práticas assistenciais como as de antigamente. Veja detalhes característicos de cada época:

Antiguidade

Na Antiguidade acreditava-se que o comportamento fora da norma sociocultural de cada local era causado por forças sobrenaturais, que assumiam o controle da pessoa ditando seus comportamentos. Os antigos egípcios, árabes e hebreus acreditavam que o comportamento distinto era decorrente de possessão por forças sobrenaturais, deuses irados, maus espíritos e demônios (HOLMES, 2001).

As formas de intervenção utilizavam desde encantamentos, preces ou poções até a imposição de sofrimentos físicos, como apedrejamento e açoitamento, objetivando livrar a pessoa das possessões (HOLMES, 2001).

Eras grega e romana

Nas eras grega e romana (século IX a.C. – 476 d.C.), a ênfase mudou para explicações naturais ou fisiológicas. A primeira tentativa de explicar o comportamento diferente da norma sociocultural em termos de causas naturais ocorreu quando Hipócrates (460 – 377 a.C.), conhecido como o “pai da medicina moderna”, formulou a Teoria Humoral, sugerindo que o comportamento era governado pelos níveis relativos de quatro humores (líquidos) no corpo. Esta teoria constituiu a principal explicação racional sobre a saúde e a doença entre o Século IV a.C. ao Século XVII (HOLMES, 2001).

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De acordo com Teoria Humoral, a vida era mantida pelo equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra procedentes, respectivamente, do coração, cérebro, fígado e baço. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o colérico e o melancólico. A doença teria como causa o desequilíbrio entre os humores.

Hipócrates acreditava que um excesso de bile negra causava depressão, que o excesso de bile amarela estava associado à tensão, ansiedade e instabilidade pessoal, que níveis elevados de fleuma resultavam em um temperamento sombrio ou preguiçoso, e que um excesso de volume sanguíneo estava relacionado a oscilações de humor rápidas (HOLMES, 2001, p. 26).

As formas de intervenção tinham como foco manter o equilíbrio dos humores, ajudando a expulsar o humor em excesso. Neste contexto histórico, Hipócrates substituiu o conceito sobrenatural da loucura pelo de sua natureza patológica, descrevendo algumas perturbações mentais (mania, demência, paranoia entre outras(PAIXÃO,1979, p.119). Assim, as pessoas com comportamento distinto eram tratadas como se estivessem sofrendo de doenças e eram cuidadas como as outras pessoas doentes. Foram introduzidos meios terapêuticos racionais (banhos de imersão, dieta vegetal, sangrias, música e viagens)(HOLMES, 2001; PAIXÃO, 1979).

Naquele período, grego e romano, havia, também, a visão passional, expressada nas tragédias gregas, a qual acreditava que a gênese da loucura encontrava-se nas emoções intensas e descontroladas. Nessa mescla de fortes sentimentos que levam ao descontrole do comportamento, estaria a raiz da insanidade. Essas duas visões, apesar de conviverem no mesmo período da Grécia clássica, têm concepções distintas.

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Enquanto Hipócrates concebia a loucura como gênese organicista, os trágicos, a exemplo de Eurípides, concebiam a visão passional associada aos desvarios, às explicações psicológicas para a loucura (PESSOTTI, 1995).

Clique na animação e veja os detalhes das próximas etapas históricas:

Idade Média
Na Idade Média (500 – 1500 d.C) as causas para os comportamentos diferenciados em determinados contextos socioculturais foram, novamente, atribuídas aos demônios. Nessa época, os ensinamentos de Hipócrates caíram no esquecimento e surgiu na Europa um movimento de perseguição religiosa aos judeus, aos protestantes, às bruxas e aos loucos, em que as pessoas com comportamentos estranhos eram vistas como uma ameaça social (HOLMES, 2001; PAIXÃO, 1979).

As formas de intervenção eram do tipo exorcismo para expulsar os demônios, sendo que tais pessoas eram rotuladas de bruxas e acreditava-se que deveriam ser destruídas numa tentativa de proteger a sociedade dos seus malefícios. A punição ou a redenção eram concebidas como forma de tratamento (HOLMES, 2001; PAIXÃO, 1979).
Século XVI
No século XVI foi reconhecido que os indivíduos com comportamento diferenciado da norma sociocultural estavam doentes, ao invés de possuídos. Tentativas foram empreendidas para tratá-los de forma mais humanitária, sem condenação ou exorcismo. Neste contexto, foi criado em Londres, no ano de 1547, o hospital Saint Mary of Bethlehem, que foi um lugar dedicado ao "cuidado de pessoas perturbadas". Na realidade os primeiros asilos eram mais prisões do que hospitais (HOLMES, 2001, p.27).

As formas de intervenção eram o confinamento e o acorrentamento das pessoas às paredes, de modo que as impediam de se deitarem para dormir (HOLMES, 2001, p.27).
Cabe ressaltar que o hospital na Idade Média era uma “instituição de caridade, que tinha como objetivo oferecer abrigo, alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis, mendigos, desabrigados e doentes. [...] Hospital que, em latim, significa hospedagem, hospedaria, hospitalidade” (AMARANTE, 2007, p.22). Estes hospitais eram mantidos por instituições religiosas de caráter filantrópico, em seu início, onde a medicina não era exercida (AMARANTE, 2007).
Segunda metade do século XVII
A partir da metade do século XVII, na França, em 1656, sob o poder real, foi fundado o Hospital Geral. Não sendo um estabelecimento médico no sentido dos dias atuais, deixou de ser apenas filantrópico e passou a cumprir função de ordem social e política. A criação do Hospital Geral definiu um novo “lugar social para o louco e para a loucura na sociedade ocidental” (AMARANTE, 2007, p. 23).

Foucault referiu-se ao Hospital Geral como a “Grande Internação”, pois as casas e hospitais serviam de destinos para “os pobres de Paris, de todos os sexos, lugares e idades, de qualquer qualidade de nascimento, e seja qual for sua condição, válidos ou inválidos, doentes ou convalescentes, curáveis ou incuráveis” (FOUCAULT, 2005 p.49).

O que os internados apresentavam de comum era o fato de serem pobres, improdutivos, de não trabalharem, não pelo desemprego, mas segundo a concepção vigente, pelo esmorecimento da disciplina e a frouxidão dos costumes. Portanto, uma percepção moral sobre todos aqueles considerados indesejáveis.

As autoridades reais e judiciárias passaram a delegar a internação no Hospital Geral. Foi concedido poder aos diretores dos hospitais a ser exercido sobre a população, aquela tida em potencial para ser internada. O hospital transcende um caráter de caridade para “funções mais sociais e políticas” (AMARANTE, 2007 p.24).

Na próxima página continuaremos com a reconstrução histórica, siga em frente.

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