Início século XIX
No início século XIX foi elaborado o Tratado Médico Filosófico sobre a Alienação Mental, escrito por Pinel, que é considerada a primeira incursão médica sobre a loucura. Para Castel (1978, p. 83), “o ato fundador de Pinel não é retirar as correntes dos alienados, mas o ordenamento do espaço hospitalar”.
Entretanto, Gladys Swain, citada por Roudinesco (1994, p. 22), afirma que “Pinel nunca fizera aquele gesto, retirar as correntes dos alienados, pois na realidade, foi o Enfermeiro Pussin quem promoveu a gradativa libertação dos alienados”.
Para entender mais sobre o tratado veja a animação a seguir:
Para os alienistas da época, não havia alienação mental sem que as paixões, as afecções morais, não estivessem desordenadas, pervertidas, destruídas, situando, dessa forma, a alienação no campo da moral, cujo tratamento recebeu o nome de tratamento moral.
A partir desse momento, a loucura, agora alienação mental, ganha um status de doença com possibilidade de cura, ganhando também um espaço próprio, o hospital.
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O tratamento tinha na ordem seu recurso mais valioso, e as formas de impô-la eram: o isolamento do mundo externo, fonte de influências nefastas e alimentadora das desordens; a manutenção do controle rigoroso dos lugares, das ocupações, do emprego do tempo; a hierarquia, constituindo uma rede de regras imutáveis; a relação de autoridade que une o médico e seus auxiliares ao doente, no exercício de um poder sem reciprocidade (CASTEL, 1978).
Numa sociedade em que o trabalho passou a ser um divisor entre saúde e doença, a restauração da força de trabalho também atingiu o asilo. O tempo ocioso e improdutivo do alienado passou a ser preenchido pelo trabalho, tanto como forma de suprir necessidades da instituição como de tratamento, pois estar ocupado permite fixar a atenção do alienado, reprimir suas paixões e impulsos, aprender regras e leis, além de produzir maior tranquilidade asilar.
Num esforço para oferecer uma justificativa médica, “Pinel afirma que o trabalho tornaria a circulação mais uniforme, preveniria as congestões cerebrais; prepararia para um sono tranquilo.” (BIRMAN, 1978, p. 418).
Os pilares da construção alienista estão definidos por: um saber médico sobre a loucura, a outorga de um estatuto de doença mental, a alienação, um espaço próprio e a tecnologia assistencial, estabelecendo, dessa forma, o tratamento moral.
Segundo Machado (1978, p. 430-446) o tratamento moral apoia-se em cinco pilares, clique na animação e veja detalhes de cada pilar:
Segunda metade do século XIX e início do século XX
A maioria dos psiquiatras, a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX, passou a procurar causa orgânica para as doenças psíquicas. Neurologistas, dedicaram-se ao estudo do córtex e base do cérebro descobrindo relações associativas. Dentre eles, Alois Alzheimer e Arnold Pick - estudo das demências; Emil Kraepelin - estudos com base na observação clínica e na identificação das lesões cerebrais da loucura, Morel - classificou as patologias mentais a partir da etiologia, Bleuler – cunhou o termo esquizofrenia (HOLMES, 2001; PESSOTTI, 2006).
Estudos continuavam a ser empreendidos na crença de que as causas da doença mental fossem psicológicas. Dentre várias figuras importantes na Europa do século XIX e XX, destacou-se o mais famoso, Sigmund Freud (1856-1939), que introduziu explicações psicológicas para a doença mental. Os problemas eram os conflitos inconscientes. A mente humana é semelhante a um iceberg: a maior porção está completamente encoberta – o inconsciente – contendo desejos, medos e conflitos que exercem uma forte influência sobre o comportamento da pessoa, embora ela esteja completamente inconsciente de sua existência. Assim, formulou-se a sua teoria psicodinâmica. O tratamento dispensado nessa época foi a psicanálise (HOLMES, 2001).
No campo do tratamento, várias tentativas foram empreendidas para curar o doente mental como: choque insulínico em doentes esquizofrênicos, feitas por Manfred Sakel. Egas Moniz, em 1935, realiza as primeiras intervenções psicocirúrgicas, na primeira lobotomia frontal. A eletroconvulsoterapia é utilizada pela primeira vez, em 1938, para fins terapêuticos. Em 1952, Jean Delay e Pierre Deniker relataram os efeitos da clorpromazina em doentes psicóticos. Desde então, começou a introdução dos psicofármacos no tratamento das doenças psiquiátricas (HOLMES, 2001).
Nesse período, o diagnóstico destacou-se em detrimento dos conteúdos subjetivos da esquizofrenia e psicose, culminando na relação da psiquiatria farmacológica com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) (PESSOTTI, 2006).
Século XX
No século XX, houve uma mudança: o interesse teórico e clínico desloca-se para a subjetividade do doente, para a sua vida psíquica, que agora não é mais vista como defeituosa, desarranjada, deficitária, com defeito. A doença mental é encarada como outro jeito de ser; não é mais o jeito normal com defeito (PESSOTTI, 2005).
Este recorte contextual revela que a história da loucura está intimamente ligada à psiquiatria, que a institucionaliza como seu objeto de conhecimento. Entretanto, vale destacar que a loucura sofreu mudanças tanto de concepção teórica, quanto de cuidados dispensados às pessoas que apresentavam comportamento sociocultural estranho a partir das guerras mundiais. Assim, na unidade seguinte, você retornará à história para compreender tais transformações, a partir do processo da Reforma Psiquiátrica Mundial.
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