O processo de trabalho da Estratégia Saúde da Família envolve vários aspectos, como discutimos na Unidade 1. Grande parte desse processo depende dos profissionais da equipe, mas é importante salientar que existem alguns pontos em que a equipe de saúde tem pouca influência por serem aspectos externos, próprios da gestão central. Entretanto, o que fazer com os que podem ser resolvidos nos microespaços das próprias equipes? Refletir acerca deles é fundamental para ampliar a resolutividade da ESF diante das demandas de saúde da população.
Elegemos a interdisciplinaridade como elemento transversal de nossa reflexão a respeito do processo de trabalho e das atribuições das equipes que atuam na Atenção Básica à Saúde. Afinal, as Equipes de Saúde da Família têm um grande desafio: dar conta do potencial resolutivo da Atenção Básica, o que não é pouco.
A ESF tem como propósito reorganizar a prática da Atenção Básica à Saúde, rompendo com a visão da saúde fragmentada, considerando permanentemente que o meio e a forma de organização social em que o indivíduo está inserido têm relevância na ação e na produção de saúde. Assim, a ESF, que é implementada pelo SUS, reafirma os princípios básicos desse sistema, em conformidade com as abordagens sobre as quais já tratamos nos módulos anteriores.
O trabalho da Saúde da Família segue os princípios do processo de trabalho das unidades básicas de saúde.
Figura 1 – Princípios das unidades básicas de saúde
Integralidade e hierarquização: a Unidade Básica de Saúde inserida no primeiro nível da atenção configura-se como a “porta de entrada” preferencial do sistema, ou seja, o serviço de saúde com o qual os usuários têm o primeiro contato. Essa unidade deve estar vinculada a uma rede de serviços garantidos pela Gestão de Saúde, de forma a oportunizar atenção integral à comunidade sob sua responsabilidade, em todos os níveis de complexidade, sempre que necessário, de forma que todas as necessidades de saúde – individuais e coletivas – sejam resolvidas. Nesse sentido, a Atenção Básica tem a necessidade de articular-se com os demais níveis e serviços de saúde, garantindo que as diversas dimensões e demandas da saúde do usuário encontrem resolução ou que sejam referenciadas para os demais serviços da rede de saúde.
Figura 2 – Esquema demonstrativo da integralidade
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Territorialização e adscrição da clientela: a área de atuação das equipes tem uma base territorial definida, sendo sua a responsabilidade, a atenção, o acompanhamento e o monitoramento da saúde da população desse local. A Política Nacional de Atenção Básica recomenda que cada equipe seja responsável por três a quatro mil pessoas, o que corresponde a aproximadamente 750 a 1.000 famílias. Para que a Atenção Básica seja resolutiva, é fundamental que existam profissionais em número suficiente, de forma que em uma mesma população mais de uma equipe possa atuar, dependendo da concentração de famílias no território sob sua responsabilidade.
Equipe multiprofissional: a composição mínima da equipe é conformada por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS). Conta ainda com um cirurgião-dentista e um auxiliar/técnico de saúde bucal. Caso a Atenção Básica do município possua NASF, ainda existem os profissionais de áreas em que o NASF atua, como psicólogos, farmacêuticos, educadores físicos, nutricionistas, psiquiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, entre outros.
No processo de reconhecimento, explicação e intervenção sobre os determinantes de saúde, assim como em qualquer outra dimensão da assistência à saúde, deve haver o apoio e a participação efetiva da comunidade e seus representantes. Cabe à Equipe de Atenção Básica desenvolver práticas assistenciais e de mobilização comunitária que facilitem a identificação e o atendimento dos problemas de saúde dos usuários, além de criar vínculos de corresponsabilidade na manutenção e na recuperação da saúde. Mais do que pessoas que recebem o atendimento, os usuários de saúde e a comunidade devem ser encarados como parceiros no trabalho da Atenção Básica, tão responsáveis quanto e com poder de decisão semelhante aos das equipes de saúde.
Lacerda e Moretti-Pires