Segundo Dejours (1987*), na organização do trabalho, o sistema hierárquico e a divisão de tarefas podem se tornar fontes importantes de sofrimento ao impedir a livre execução de tarefas, bloqueando as descargas psíquicas e o alívio de tensões, sendo essas vivências de prazer identificadas a partir de manifestações de realização, satisfação ou gratificação das pulsões, remetendo ao conceito de pulsões da psicanálise (KUPFER, 2000**).
* DEJOURS, C. A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez.1987.
** KUPFER, MC. M. Educação para o futuro: Psicanálise e Educação. São Paulo: Escuta, 2000.
Por sua vez, a confiança entre os pares depende não somente dos requisitos afetivos e éticos, mas principalmente da visibilidade dos ajustamentos singulares utilizados frente às insuficiências e às contradições da organização prescrita (MENDES, 1995*).
* MENDES, E. V. (Org.). Distrito Sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 3 ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1995.
No entanto, para uma tentativa de alcançar patamares adequados para a realização de um trabalho em equipe multiprofissional é necessário o que Dejours chama de espaço público de discussão. No espaço público de discussão, o trabalhador pode discutir sobre a organização do trabalho, bem como sobre a cooperação, porém, exige articulação, coordenação e evolução das regras de trabalho, a fim de substituir ou complementar a organização do trabalho prescrita (Mendes, 1995).
Defende-se, na literatura que, para haver a relação interdisciplinar, entre os profissionais são necessárias atitudes, como o respeito e o reconhecimento da importância de cada profissão, que a prática dessas atitudes, por sua vez, gera tratamentos mais eficazes.
São também atitudes dos profissionais: o respeito a cada profissional, a tolerância, a aceitação de sugestões – podendo ser vista como uma prática do exercício da tolerância – o respeito às limitações de cada profissão, o comprometimento com o sistema, a atitude de mudança, a humildade, o respeito às diferenças, a ética, a liderança e a empatia (SAUPE et. al, 2005*).
* SAUPE, R. et al. Conceito de competência: validação por profissionais de saúde. Saúde Rev.. Piracicaba, v. 8, n. 18, p. 31-37, 2006.
Dada a complexidade da prestação de serviços de saúde, é fundamental que a gestão se comprometa com o dia a dia das equipes, em razão das redes complexas existentes nos serviços de saúde. Mais do que gerenciar os recursos e os dados burocráticos dos sistemas de informação, a gestão municipal deveria partir do conhecimento dos problemas de saúde de cada equipe de saúde, para a condução da gestão em si. Objetiva-se a mudança efetiva nas práticas em saúde no âmbito da atenção primária, uma vez que até mesmo a educação em saúde convencionalmente praticada refere-se ao paradigma tradicional e bancário.
Nesse sentido, a Portaria 2.488 (BRASIL, 2011) preconiza que o trabalho na APS seja realizado dentro de uma programação e implementação das atividades que sigam a agenda de trabalho compartilhado de todos os profissionais, evitando-se a fragmentação do trabalho segundo critérios de problemas de saúde, de ciclos de vida, de sexo e de patologias.
Para um melhor desenvolvimento dos trabalhos, o documento ressalta que o foco deve ser:
I - prover atenção integral, contínua e organizada à população adscrita;
II - realizar atenção à saúde na Unidade Básica de Saúde, no domicílio, em locais do território (salões comunitários, escolas, creches, praças, etc.) e outros espaços que comportem a ação planejada;
III - desenvolver ações educativas que possam interferir no processo de saúde-doença da população, no desenvolvimento de autonomia, individual e coletiva, e na busca por qualidade de vida pelos usuários;
IV - desenvolver ações intersetoriais, integrando projetos e redes de apoio social, voltados para o desenvolvimento de uma atenção integral. (*BRASIL, 2011, p.49)
*BRASIL. Gabinete Ministerial. Ministério da Saúde. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica. Portaria GM/MS n. 2488, DOU 21.10.2011.