Módulo 5: Históricos e Conceituais da Saúde Mental e Atenção Psicossocial
Unidade 1: Aspectos históricos e fundamentos da psiquiatria, da saúde mental e da atenção psicossocial

Recortes históricos da loucura: saber em construção
Aspectos das Reformas Psiquiátricas

Aspectos das reformas psiquiátricas

“A ideia chave para a antipsiquiatria é a de relação, na medida em que nossas vidas se dão e se definem a partir dos relacionamentos que mantemos com os outros, onde decorre a insistência da antipsiquiatria no caráter político da vida humana” (DUARTE JUNIOR, 1987, p. 30).

Política entendida como o poder que permeia as relações sociais como, por exemplo, o poder do pai sobre o filho, do professor sobre o aluno, do patrão sobre o empregado. A antipsiquiatria destaca, enfaticamente, o poder que o terapeuta tem sobre o doente em definir o que é normal ou anormal, sadio ou doente. As relações de poder passam a serem entendidas como a gênese da doença mental, na medida em que impedem o indivíduo de ser ele mesmo para ser aquilo que os outros querem que ele seja (DUARTE JUNIOR, 1987).

O louco seria nada mais do que a vítima da alienação geral tida como norma, e é segregado por contestar a ordem pública.

Para Manonni (1982, p. 62), “a questão para a antipsiquiatria é a instauração de uma verdadeira despsiquiatrização empreendida a partir de uma re-interrogação sobre o saber psiquiátrico”.

A antipsiquiatria considera o episódio psicótico como uma desestruturação dos esquemas alienantes de vida, para posterior reestruturação em bases mais sólidas, enraizadas nas reais vivências do indivíduo. Para Cooper (1967, p. 104), “a experiência psicótica, contando com a orientação certa, é capaz de conduzir a um estado humano mais avançado, porém, é convertida pela interferência da psiquiatria num estado de paralisia da pessoa”.

A psiquiatria democrática surge da experiência italiana que, nas palavras de Barros (1994, p. 53), pode ser considerada como “um confronto com o hospital psiquiátrico, o modelo de comunidade terapêutica inglesa e a política de setor francesa, embora conserve destas o princípio de democratização das relações entre os atores institucionais e a ideia de territorialidade”.

Palavra do Profissional
A psiquiatria democrática tem forte influência na reforma psiquiátrica brasileira. As reformas anteriormente citadas propunham-se a atingir a superação gradual da internação nos manicômios através da criação de serviços na comunidade, do deslocamento da intervenção terapêutica para o contexto social das pessoas, a prevenção e a reabilitação.

A criação de estruturas extra-hospitalares, médica e social, deveriam assistir os pacientes constituindo-se num “filtro” para as internações ulteriores.

Na ótica de Rotelli (1990, p. 20), as internações continuam e o hospital psiquiátrico mantém um peso não secundário. A política de desospitalização foi acompanhada por uma redução do tempo de internação, aumentando as altas e recidivas, à medida que surgem estruturas que internam e asilam pacientes psiquiátricos, destacando-se como exemplos os lares protegidos, as casas de albergados e outras. Além disso, emergem os serviços que se especializam segundo a lógica de um serviço para cada problema, isto é, cada problema vem selecionado e é assumido com base no critério da coerência e da pertinência aos códigos da prestação do serviço.

Palavra do Profissional
Por conseguinte, os papéis profissionais, tal como concebidos, transformam-se e ampliam-se na passagem de uma relação de tutela para uma relação contratual. Requerendo assim, nova concepção e nova prática. Um exemplo é o enfermeiro que, de agente de custódia e controle, expande suas ações pautadas numa relação de reciprocidade com o internado. Busca alternativas para além do espaço institucional da loucura, repropondo ações, procurando o contato com a família, resgatando os laços sociais.

“Neste processo, não apenas se reconstitui a subjetividade do internado, mas do próprio trabalhador - a emancipação diz respeito a todos; evidentemente, a relação agora é nova porque não se trata do louco ‘inábil, incapaz e perigoso’ mas do louco cidadão” (NICÁCIO, 1989, p. 100).

Assim, a desinstitucionalização é, sobretudo, um trabalho terapêutico, voltado para a reconstituição das pessoas, enquanto pessoas que sofrem, como sujeitos. “Talvez não se resolva por hora, não se cure agora, mas, no entanto, seguramente se cuida. Cuidar significando ocupar-se, aqui e agora, de fazer com que se transformem os modos de viver e sentir o sofrimento do ‘paciente’ e que, ao mesmo tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana.” (ROTELLI, 1990, p. 33).

O objetivo, agora, não é mais a cura, mas a vida concreta do sujeito. Muda-se o objetivo, muda-se a terapia e a profissionalidade. Quando o olhar encontra a doença, mas não o doente, este é objetivado nos sinais sintomáticos da doença que não remetem a um ambiente, a um modo de viver, mas a um quadro clínico onde o sujeito é diluído. Mas quando os sintomas são vistos como expressão de um sofrimento, de uma dificuldade e de desequilíbrio nas condições de vida, como expressão do viver, é o doente que o olhar encontra. É o indivíduo vivendo que se apresenta ao serviço, para o qual não se tem resposta pronta à sua demanda. A profissionalidade se expressa menos em termos de competências técnicas especializadas e muito mais como “capacidade de escolher, utilizar e combinar uma ampla variedade de modalidades e recursos de intervenção” (ROTELLI, 1990, p. 45).

Saiba Mais
Para aprofundar seus conhecimentos acerca do assunto tratado, consulte a obra de AMARANTE, P. (Coord.) Loucos Pela Vida – Trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: FioCruz, 1998. Clique aqui e verifique a disponibilidade.

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