Módulo 6: Estruturação do campo da atenção psicossocial no contexto da reforma psiquiátrica e do sus
Unidade 1:Reforma psiquiátrica no Brasil

Reforma psiquiátrica: Histórico
Reforma psiquiátrica: Diretrizes
Política de saúde mental e atenção psicossocial
Política e legislação sobre álcool e outras drogas
Política e legislação – Sistema nacional sobre drogas
Política e legislação - crack e outras drogas
Atenção psicossocial e comunitária

Dimensões Fundamentais

Você viu, ao longo da descrição dos componentes históricos da Reforma Psiquiátrica no Brasil, que são vários os atores que participam desse processo, assim como são diversas também suas formas de atuação e participação. Você viu ainda que são várias as políticas públicas envolvidas nessa questão e não apenas as referentes à saúde, como à assistência social, à educação, à cultura, à economia e ao trabalho. Essa multiplicidade dá à Reforma Psiquiátrica também um caráter de intersetorialidade.

Palavra do Profissional
Neste caso, os atores são os usuários do sistema de saúde mental, familiares, profissionais, gestores, movimentos sociais, entidades de classe etc.

Mesmo que, atualmente, a política pública de saúde mental, álcool e outras drogas estejam em concordância com as reivindicações históricas do movimento pela Reforma Psiquiátrica, a ação do Estado tem sido direcionada, principalmente, para a reestruturação do modelo assistencial e de cuidado em saúde mental. Com isso, tem sido possível alcançar a criação de uma série de novos serviços abertos, orientados para a reinserção social e a promoção da cidadania do doente mental.

Entretanto, a Reforma Psiquiátrica não objetiva apenas essa reorganização assistencial, embora ela seja de grande importância.

Observe que essa grande diversidade de elementos faz da Reforma Psiquiátrica um “processo social complexo” e não apenas um modelo a ser seguido ou um sistema fechado.

Quando falamos em processo pensamos em movimento, em algo que caminha e se transforma permanentemente. Neste caminhar vão surgindo novos elementos, novas situações a serem enfrentadas. [...] Enfim, um processo social complexo se constitui enquanto entrelaçamento de dimensões simultâneas, que ora se alimentam, ora são conflitantes; que produzem pulsações, paradoxos, contradições, consensos, por tensões (AMARANTE, 2007, p. 63).
Você deve questionar-se quais seriam então essas dimensões que deveriam orientar o processo, inclusive as ações dos gestores, e que permitem falar de uma ruptura com o modelo manicomial, não é verdade?
Amarante (2007) menciona quatro dimensões fundamentais, que devem estar entrelaçadas para que seja possível avançar neste processo:
  1. Dimensão Teórico-Conceitual
  2. Dimensão Técnico-Assistencial
  3. Dimensão Jurídico-Política
  4. Dimensão Sociocultural

Vale reforçar que desinstitucionalização tem como objetivo prioritário transformar as relações de poder entre as instituições e os sujeitos, entre quem cuida e é cuidado, restituindo os direitos e as capacidades, a interlocução, a escuta e o respeito, mudando progressivamente o estatuto jurídico e social do paciente.

Podemos dizer então que desinstitucionalização é diferente de desospitalização e implica em uma transformação profunda das relações sociais, e das relações entre profissionais, usuários e familiares no campo da saúde mental.

Saiba Mais
Para saber mais sobre a desistitucionalização recomendamos que você leia o livro:
NICÁCIO, F. (Org.). Desinstitucionalização. 2.ed., São Paulo: Hucitec, 2001.

É necessário também que os serviços disponíveis para a oferta do cuidado em saúde mental sejam modificados. Esse cuidado é complexo, de base comunitária/territorial e deve ser considerado como objetivo central a promoção e garantia dos direitos das pessoas com sofrimento psíquico assim como de familiares e/ou pessoas das redes sociais. Nesse sentido aparece outra dimensão fundamental, a qual você conhecerá a seguir.

Na Dimensão Técnico-Assistencial a oferta de serviços deve ser adequada a essa compreensão acerca do sujeito que sofre. Os serviços devem ser dispositivos estratégicos, lugares de acolhimento, de cuidado e de trocas sociais, capazes de sustentar a inserção social.

Devem ser lugares de sociabilidade e de produção de subjetividades e não de exclusão, aprisionamento e violência como se tornaram a maioria dos manicômios.

Note que estas seriam as principais funções dos CAPS; dos Serviços Residenciais Terapêuticos; dos projetos de geração de renda; dos Centros de Convivência; das unidades de Saúde Mental em hospitais gerais; da atenção ao sofrimento psíquico na atenção básica da rede de saúde pública e; na Estratégia de Saúde da Família. Enfim, de toda a rede assistencial proposta pela Reforma Psiquiátrica como forma de substituição dos manicômios.

Como você pode perceber, a diversidade dos dispositivos de atenção tem sido uma forma de produzir múltiplas respostas às complexas necessidades das pessoas com sofrimento psíquico.

A Dimensão Jurídica-Política, segundo Amarante (2009), trata da redefinição das relações sociais e civis em termos de cidadania e de direitos humanos. Materializa-se, portanto, pela construção de um arcabouço jurídico e normativo, composto por leis e portarias para garantir sustentabilidade legal às proposições da Reforma Psiquiátrica no Brasil.

Trata-se assim de uma “luta pela inclusão de novos sujeitos de direito e de novos direitos para os sujeitos em sofrimento mental”. Direito ao trabalho, ao estudo, ao lazer, ao esporte, à cultura, enfim, aos recursos que a sociedade oferece” (AMARANTE, 2007, p. 69).

Nesse sentido, é importante considerar os avanços obtidos com a aprovação da Lei 10.216/01, ou Lei da Reforma Psiquiátrica, em relação aos direitos das pessoas com sofrimento mental, sendo esta a principal alteração legal no Brasil desde os anos 30, do século passado. Importância semelhante pode ser atribuída às leis estaduais e municipais promulgadas e que também passaram a reconhecer o louco como sujeito de direitos.

A Dimensão Sociocultural, por sua vez, é aquela que se ocupa da mudança em relação às representações sociais sobre a loucura e o louco. Em particular aquelas que dizem respeito aos estigmas de periculosidade, improdutividade e irracionalidade atribuídas aos sujeitos, como se fossem predicados “naturais” da doença mental.

Considerada dimensão estratégica, diz respeito ao conjunto de intervenções que visam transformar o lugar da loucura no imaginário social. A partir da linguagem artístico-cultural, busca promover a reflexão sobre os preconceitos construídos por séculos de psiquiatrização.

Assim as intervenções na cultura têm se realizado com grupos musicais, de teatro, do cinema, programas de rádio e TV, enfim com todos os meios disponíveis para a divulgação de um modo de ser e viver que é marcado pela diferença e da afirmação da possibilidade de novas formas de convivência. Além desses recursos, atualmente comemora-se, em todo o Brasil, o dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, com inúmeras atividades culturais, artísticas e científicas nos estados e em muitas cidades do país, com o objetivo de sensibilizar e envolver novos atores sociais para a questão.

Com este estudo conhecemos algumas informações sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil, bem como , quais são as dimensões em que a mesma esta pautada.