Módulo 8: Clínica da Atenção Psicossocial
Unidade 1: Psicopatologia dos transtornos mentais

Psicopatologia do sofrimento psíquico e dos transtornos mentais
Diagnósticos no contexto da Reforma Psiquiátrica
Acolhimento e diagnóstico ampliado no campo da atenção psicossocial
A contribuição do exame do estado psíquico às síndromes psicossociais
Principais síndromes na prática clínica

Abordagens estrutural e fenomenológica

Nas abordagens descritivas, o diagnóstico é elaborado a partir de sinais e sintomas que a pessoa apresenta. Por exemplo, choros imotivados, problemas no sono, dificuldade para trabalhar indicam hipótese de depressão conforme os manuais supracitados.

As implicações para o cuidado serão norteadas com base nos diagnósticos psiquiátricos, mas não somente por eles. Por exemplo: padrão de sono perturbado relacionado ao viver depressivo da pessoa – cuidado de enfermagem: administrar medicamento, prestar apoio à pessoa, utilizar estratégias sobre a higiene do sono (STEFANELLI; FUKUDA; ARANTES, 2008)

• Abordagem estrutural

A abordagem estrutural está fundamentada na psicanálise, que é um método analítico para estudar o inconsciente dos sujeitos para que tentem elaborar seus conflitos psíquicos. E os diagnósticos estruturais, nessa perspectiva clínica, fundamentam-se na noção de transferência. O discurso se organiza a partir do lugar no qual o usuário coloca o terapeuta. Desse lugar é que um diagnóstico é possível, e uma clínica de neurose, psicose e perversão são possíveis (CALLIGARIS, 1989).

Transferência – construção subjetiva e manifesta feita pelo sujeito em relação ao terapeuta-cuidador. Há conteúdos conscientes e inconscientes. Divide-se em: transferência positiva – amistosa e apaixonante; transferência negativa – hostil.

A transferência é importante do ponto de vista do vínculo. Transferência Institucional – servidão mental (sujeito agravado ou inalterado). Contratransferência – é a reação do profissional à transferência do sujeito. Não há contratransferência sem a transferência do sujeito. A reação contratransferencial relaciona-se ao inconsciente, à subjetividade, aos valores e afetos do profissional (LOYOLA; CORPAS, 2006).

A psicanálise formula o diagnóstico estrutural no acolhimento do sujeito por um tempo que é variável para cada sujeito, e depois, com a escuta clínica, elabora-se um diagnóstico. Assim, a psicanálise utiliza o recurso da “hipótese diagnóstica para poder localizar a estrutura do sujeito, neurótica, psicótica ou perversa. A partir desta localização, traça-se uma linha de abordagem” (BACHA, 2008, p. 115).

A diferença entre a neurose e a psicose se dá pela relação do sujeito com o mundo externo. Freud nos mostrou que o neurótico e o psicótico no processo de constituição subjetiva deparam-se com certo afrouxamento da realidade. O que diferencia as estruturas é a saída possível em cada estrutura que, na neurose é via fantasia, na psicose é através do delírio e alucinação (BACHA, 2008, p. 122).

Palavra de Profissional
É importante assinalar que estruturas clínicas não são diagnósticos psicopatológicos em seu sentido estrito, uma vez que em toda a pessoa, nessa abordagem teórica, vão se constituir através de alguma dessas modalidades, a neurose, a psicose ou a perversão.

• Abordagem fenomenológica

Para Câmara (2007), na abordagem fenomenológica há a consideração de que o diagnóstico psiquiátrico foi a instância científica que não apenas revolucionou a psiquiatria moderna, trazendo-a para a clínica médica, como também inovou o diagnóstico das doenças mentais, que tem sido aperfeiçoado até nossos dias. Como vimos anteriormente, o diagnóstico psiquiátrico moderno está descrito em sistemas de classificação, embasando-se em aspectos, ao mesmo tempo, descritivos e evolutivos, biológicos e epidemiológicos, psicológicos e sociais, favorecendo ainda critérios fenomenológicos para o tratamento.

A abordagem fenomenológica busca valorizar a subjetividade do ser humano em sofrimento, considera a narrativa como uma forma de manifestar a experiência do sofrimento da pessoa.

A partir da reorganização da assistência em saúde mental, as mudanças afetam também o modelo de cuidado oferecido, o qual atualmente se orienta para uma concepção integral de ser humano. Dentre a reorganização em saúde mental no Brasil, destacamos a Lei n°10.216/01 (BRASIL, 2001b), que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de atenção. Nessa nova perspectiva, o cuidado será pautado pela busca de liberdade, autonomia e emancipação do usuário diante de sua demanda.

Todavia, se levantamos o véu do individualismo, característico do nosso tempo, percebemos que essa independência absoluta do sujeito em relação à sociedade é, de certa forma, um mito de nossa cultura. Se todo ser é desde a sua origem social, o pré-requisito de nossa liberdade não pode então ser concebido como independência absoluta do mundo que nos cerca, representado pela máxima: o mundo somos nós mesmos. O pré-requisito da liberdade é a capacidade de pôr entre parênteses a representação preestabelecida do mundo, ou o conhecimento do senso comum, sem, entretanto, perder nossa histórica articulação com o mundo comum (STANGHELLINI, 2004).

O agenciamento dos fatos não se dá necessariamente de forma cronológica ou sequencial na conformação de um círculo para a compreensão, mas por meio de um ordenamento lógico (RICOEUR, 1994). Desta forma, a narrativa, além de propiciar a fusão de horizontes entre narrador e leitor, apresenta-se como forma potente em revelar um modo de vida habitual, em determinado contexto sociocultural (SURJUS; CAMPOS, 2011).

Concebemos as narrativas como um processo de mediação entre o vivido e a possibilidade de inscrevê-lo no social, inserindo a experiência subjetiva em um campo político.

A abordagem fenomenológica e a utilização de narrativas têm implicações para o cuidado no sentido de valorizar o estímulo à construção de narrativas individuais e coletivas através de grupos de poesias, diários e linhas da vida, escritas ou falas autobiográficas, como vimos neste estudo.