III Atenção a Urgência e Emergência
Historicamente, o modelo de atenção asilar, expresso nos hospitais psiquiátricos representou a principal, e muitas vezes, a única resposta às situações de urgência e emergência no campo da saúde mental, descontextualizando e reduzindo os eventos em questão, invalidando a vivência dos sujeitos, afastando-os dos recursos e possibilidades reais de restabelecer-se, submetendo-os a experiências de segregação e violação de direitos.
A atenção às situações de crise é parte integrante do conjunto e da continuidade da prática terapêutica nos serviços de saúde da Rede de Atenção Psicossocial. É, sobretudo, nos contextos reais de vida das pessoas, que se constitui um campo de aprendizagem que envolve os profissionais dos serviços, tanto das unidades especializadas quanto dos serviços de urgência e emergência, os policiais, os usuários, os familiares e as pessoas do território (NICÁCIO; CAMPOS, 2004).
Dada sua relevância, todos os pontos de atenção da Rede de Atenção às Urgências e Emergências – SAMU, UPA, Sala de Estabilização, as portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde, entre outros, são responsáveis, em seu âmbito de atuação, pelo acolhimento, classificação de risco e cuidado das situações de urgência e emergência em Saúde Mental.
A atenção à urgência e emergência psiquiátrica visa acolher todas as necessidades de saúde do indivíduo em crise e promover o melhor restabelecimento possível de sua saúde, em um menor tempo possível e a inserção do usuário para tratamento externo na rede de atenção psicossocial (BRASIL, 2006).
De acordo com o Manual de Regulações Médicas das Urgências (BRASIL, 2006), devido ao grande número de julgamentos e dúvidas que a terminologia suscita no meio médico e no sistema de saúde, o Ministério da Saúde optou por utilizar o termo urgência, para todos os casos que necessitem de cuidados agudos, tratando de classificá-los em níveis, tomando como marco ético de avaliação o “imperativo da necessidade humana”.
Desta forma, a avaliação da urgência deve ser multifatorial, sendo o grau de urgência diretamente proporcional à gravidade, à quantidade de recursos necessários para atender o caso e à pressão social presente na cena do atendimento, como também inversamente proporcional ao tempo necessário para iniciar o tratamento.
Portanto, discutir crise requer considerar vários elementos que perpassam pelas dimensões da clínica, da cultura, das histórias dos sujeitos e dos recursos disponíveis no seu contexto familiar e social, estando associada prioritariamente a oferta de uma atenção longitudinal nos contextos de vida das pessoas.
Assim, para além das classificações tradicionais de risco, ainda há desafios e necessidade de construção de critérios de vulnerabilidade psicossocial que possam nortear a atuação dos trabalhadores em situações de crise e nas urgências e emergências em saúde mental, de maneira a distinguir populações socialmente desiguais e ofertar cuidados segundo suas necessidades, como é o caso, por exemplo, da população em situação de rua, das populações do campo e da floresta, de indígenas e quilombolas, dentre outros.
IV Atenção Residencial de Caráter Transitório
A Atenção Residencial de Caráter Transitório, como componente da RAPS, tem como objetivo oferecer acolhimento voluntário e cuidados contínuos para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em situação de vulnerabilidade social e familiar e que demandem acompanhamento terapêutico e protetivo. O serviço deverá garantir os direitos de moradia, educação e convivência familiar e social, com tempo de permanência de cada usuário previsto no Projeto Terapêutico Singular (BRASIL, 2011a).
Pontos de atenção do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório
a) Unidade de Acolhimento (UA)
A Unidade de Acolhimento é um ponto de atenção que oferece cuidados contínuos de saúde, com funcionamento 24 horas, em ambiente residencial, para pessoas com necessidade decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem acentuada vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório. O tempo de permanência na unidade é de até seis meses. O acolhimento neste ponto de atenção será definido exclusivamente pela equipe do CAPS de referência que será responsável pela elaboração do projeto terapêutico singular do usuário, considerando a hierarquização do cuidado, priorizando a
As Unidades de Acolhimento estão organizadas nas seguintes modalidades:
• Unidade de Acolhimento Adulto: destinados a pessoas que fazem uso do crack, álcool e outras drogas, maiores de 18 (dezoito) anos.
• Unidade de Acolhimento Infanto-Juvenil: destinadas a adolescentes e jovens (de 12 até 18 anos completos) que fazem uso do crack, álcool e outras drogas.
Este serviço foi instituído pela Portaria nº 121, de 25 de janeiro de 2012, para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
A UA desenvolve várias atividades de acordo com o Projeto Terapêutico Singular (PTS), tais como: acolhimento humanizado, com estímulo à grupalização e socialização; desenvolvimento de ações que garantam a integridade física e mental e de intervenções que favoreçam a adesão ao tratamento, visando à interrupção ou redução do uso de crack, álcool e outras drogas; acompanhamento psicossocial ao usuário e sua família; atendimento psicoterápico e de orientação; atendimento em grupos; oficinas terapêuticas; atividades sociofamiliares, comunitárias e de reinserção social; articulação com a rede Intersetorial, especialmente com a assistência social, educação, justiça e direitos humanos, visando à reinserção social, familiar e laboral, como preparação para a saída; articulação com programas culturais, educacionais e profissionalizantes, de moradia e de geração de trabalho e renda; saídas programadas e voltadas à completa reinserção do usuário, considerando suas necessidades, com ações articuladas e direcionadas à moradia, ao suporte familiar, à inclusão na escola e à geração de trabalho e renda.
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b) Serviços de Atenção em Regime Residencial
Os Serviços de Atenção em Regime Residencial, dentre os quais também estão consideradas as Comunidades Terapêuticas, são serviços de saúde destinados a oferecer cuidados contínuos de saúde, de caráter residencial transitório por até nove meses, para adultos com necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Estes serviços são regulamentados através da Portaria nº 131/12.
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Os serviços de Atenção em Regime Residencial, assim como em outras unidades de saúde, devem funcionar de forma articulada com a Atenção Básica, que apoia e reforça o cuidado clínico geral dos seus pacientes e com o CAPS que é responsável pela indicação do acolhimento, pelo acompanhamento especializado durante este período, pelo planejamento da saída e pelo seguimento do cuidado. Bem como, participar de forma ativa da articulação intersetorial para promover a reinserção do usuário na comunidade (BRASIL, 2011a).
Os projetos técnicos elaborados pelas unidades que oferecem cuidados voltados à atenção em regime residencial estão embasados nas seguintes diretrizes de acordo com artigo 6º da portaria 131/2012 (BRASIL, 2012):
• Respeitar, garantir e promover os diretos do residente como cidadão;
• Ser centrado nas necessidades do residente, em consonância com a construção de sua autonomia e reinserção social;
• Garantir ao residente o acesso a meios de comunicação;
• Garantir o contato frequente do residente com a família, desde o início da inserção na entidade;
• Respeitar a orientação religiosa do residente, sem impor e sem cercear a participação em qualquer tipo de atividade religiosa durante a permanência na entidade;
• Garantir o sigilo das informações prestadas pelos profissionais de saúde, familiares e residentes;
• Inserção da entidade na Rede de Atenção Psicossocial, em estreita articulação com os CAPS, a Atenção Básica e outros serviços pertinentes;
• Permanência do usuário residente na entidade por no máximo seis meses, com a possibilidade de uma só prorrogação por mais três meses, sob justificativa conjunta das equipes técnicas da entidade e do CAPS de referência, em relatório circunstanciado.
Além disso, assim como em outras unidades de saúde da Rede de Atenção Psicossocial, o Projeto Terapêutico Singular deverá ser desenvolvido no serviço de saúde de atenção em regime residencial, com o acompanhamento do CAPS de referência, da Equipe de Atenção Básica e de outros serviços socioassistenciais, conforme as peculiaridades de cada caso.
No entanto, é importante salientar que o CAPS de referência permanece responsável pela gestão do cuidado e do Projeto Terapêutico Singular durante todo o período de permanência do paciente residente no serviço de atenção em regime residencial.
Desse modo, a equipe técnica do CAPS de referência acompanhará o tratamento do usuário residente por meio das seguintes medidas de acordo com o artigo 17 da Portaria 131/2012 (BRASIL, 2012):
Ressalta-se que a atual Política Nacional de Saúde Mental incentiva estes serviços desde que toda e qualquer entidade ou instituição na Rede de Atenção Psicossocial do SUS seja orientada pela adesão aos princípios da reforma psiquiátrica, em especial no que se refere ao não isolamento de indivíduos e grupos populacionais. Portanto, a implantação desses serviços deve se organizar, realmente, de forma articulada com a Rede de Atenção Psicossocial e Rede de Apoio Social e familiar das pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
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V Atenção Hospitalar
A Atenção Hospitalar auxilia na intensificação, ampliação e diversificação das ações orientadas para a prevenção, promoção da saúde, preservação da vida, tratamento, redução dos riscos e danos associados ao consumo de substâncias psicoativas, bem como, ampliação do acesso ao tratamento hospitalar às pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de acordo com a Portaria 148/2012 (BRASIL, 2012).
Os serviços oferecem internações de curta duração, até a estabilidade clínica do usuário, respeitando as especificidades de cada caso. São adotados protocolos técnicos para o manejo terapêutico dos casos e estabelecimento de fluxos entre os pontos de atenção da RAPS, Rede de Atenção às Urgências e o sistema de regulação. A estratégia de redução de danos é também importante ferramenta como norteadora de projetos terapêuticos singulares, pactuados nos pontos de atenção da RAS (BRASIL, 2012).
A articulação entre a Atenção Hospitalar com outros pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial é fundamental para continuidade do tratamento, considerando perspectiva preventiva para outros episódios de internação (BRASIL, 2012a).
Em nível local ou regional, compõe a rede hospitalar de retaguarda aos usuários de crack, álcool e outras drogas, observando o território, a lógica da redução de danos e outras premissas e princípios do SUS (BRASIL, 2011a).
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