Módulo 6: Estruturação do campo da atenção psicossocial no contexto da reforma psiquiátrica e do sus
Unidade 1:Reforma psiquiátrica no Brasil

Reforma psiquiátrica: Histórico
Reforma psiquiátrica: Diretrizes
Política de saúde mental e atenção psicossocial
Política e legislação sobre álcool e outras drogas
Política e legislação – Sistema nacional sobre drogas
Política e legislação - crack e outras drogas
Atenção psicossocial e comunitária

Reforma sanitária

O movimento pela Reforma Sanitária atuou em favor da mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde; na defesa dos princípios da saúde coletiva; pelo estabelecimento da igualdade na oferta dos serviços; na defesa da participação dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e de produção de tecnologias de cuidado (BRASIL, 2005 a).

Veja que é nesse contexto, a partir de 1978, que teve início o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), motivado por uma crise na Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), órgão do Ministério da Saúde então responsável pelas políticas de saúde mental (AMARANTE, 1995).

Palavra do Profissional
Observe que as reivindicações do MTSM dirigiam-se tanto aos aspectos trabalhistas e corporativos1 quanto aos assistenciais2.

1 Aumento salarial; regularização da situação trabalhista; ampliação do número de profissionais e a consequente adequação da carga de trabalho etc.
2 Melhorias na condição da assistência aos pacientes; críticas aos manicômios como instituições de violência e de cronificação; humanização do tratamento entre outros.

Naquele ano (1978) ocorreu uma greve dos profissionais de quatro unidades da DINSAM, no Rio de Janeiro, como forma de protesto contra as condições extremamente precárias de trabalho, o clima de violência contra trabalhadores e pacientes, a insuficiência de funcionários e a escassez de recursos.

As denúncias produzidas acabaram por angariar a solidariedade e o apoio de outras entidades do setor saúde e repercutiram, por meio da imprensa, alcançando, assim, o grande público.

Segundo Amarante (1995, p. 52), integrante do movimento à época, o nascimento do MTSM tinha por objetivo:

Constituir-se em um espaço de luta não institucional, em um lócus de debate e encaminhamento de propostas de transformação da assistência psiquiátrica, que aglutina informações, organiza encontros, reúne trabalhadores em saúde, associações de classe, bem como entidades e setores mais amplos da sociedade.

Aquele período é marcado pela divulgação das denúncias sobre as péssimas condições às quais os pacientes internados em manicômios eram submetidos. O MTSM passa a protagonizar e a publicar essas denúncias, ressaltando a violência promovida nos manicômios; a mercantilização da loucura, principalmente pela oferta de assistência por muitos hospitais da rede privada; a produzir coletivamente uma crítica ao saber psiquiátrico e ao modelo que privilegiava o hospital psiquiátrico como recurso central, e muitas vezes único, no atendimento às pessoas com transtornos mentais.

Ainda em 1978, dois eventos científicos deram força ao movimento: o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, no qual os integrantes do movimento procuravam fazer uma articulação nacional; e o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições, que trouxe ao Brasil nomes expressivos dos movimentos de reforma psiquiátrica ocorridos na Europa e nos Estados Unidos, que desencadearam outros debates importantes pelo país.

Palavra do Profissional
Atores importantes na reforma psiquiátrica: Franco Basaglia, Felix Guattari, Robert Castel e Erving Goffman.

No ano seguinte, 1979, realizou-se o I Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, em São Paulo, comprometido com a crítica, com a ação do Estado no campo da saúde mental e com a reivindicação dos avanços políticos da abertura democrática que se ia esboçando naquele período. Acompanhe um pouco mais sobre o tema na animação a seguir:

Compartilhando
Cabe destacar que a mobilização produzida por essa Conferência desencadeou propostas de realização de conferências temáticas, entre elas a de Saúde Mental. Inicialmente, com resistências por parte do Estado para sua realização, a I Conferência Nacional de Saúde Mental aconteceu em junho de 1987, no Rio de Janeiro.

A rearticulação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, ocorrida com a realização da conferência temática, ensejou também a organização do II Congresso Nacional do MTSM, na cidade de Bauru, São Paulo, no mesmo ano. Este encontro marcou um aprofundamento das tendências originais do movimento e sua reorientação, denotando a influência da Psiquiatria Democrática Italiana e da presença de Franco Basaglia em suas passagens pelo Brasil.

Nas palavras de Amarante (1995, p. 81):
Assim, no campo teórico-conceitual dos referenciais do MTSM, com o lema ‘Por uma sociedade sem manicômios’, ressurgiram os projetos de desinstitucionalização na tradição basagliana, que passava a ser um conceito básico determinante na reorganização do sistema de serviços, nas ações de saúde mental e na ação social do Movimento.

Além disso, o MTSM passou a aproximar-se das associações de usuários e familiares e a contar com a participação destes na luta pela transformação das políticas e práticas psiquiátricas, marcando também o surgimento da Articulação Nacional da Luta Antimanicomial, conforme lembra Lobosque (2001).

O encontro é marcado ainda pela adoção do lema “Por uma sociedade sem manicômios”, reafirmando os compromissos do movimento com a crítica aos hospitais psiquiátricos, com a necessidade de superação do modelo asilar, e com a exigência de garantia dos direitos das pessoas com transtornos mentais.

Por outro lado, nesse período, duas iniciativas no campo assistencial são de especial importância e geram consequências para todo o processo:

  1. A criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil, em 1987, na cidade de São Paulo, o CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira, em homenagem ao psiquiatra alagoano.
  2. O início do processo de intervenção, em 1989, da Prefeitura Municipal de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, em razão das condições precárias e dos maus-tratos aos quais os internados eram submetidos.
Essas ações foram seguidas de outras, como a implantação de Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) com funcionamento 24 horas, de projetos de inserção no trabalho e, posteriormente, de criação de uma cooperativa de trabalho; de residência para os egressos do hospital; de projetos culturais e centro de convivência; e de associação de usuários e familiares. A experiência santista demonstrou a possibilidade de construção de uma rede de cuidados capaz de substituir os hospitais psiquiátricos, de afirmação e garantia de direitos de cidadania e a exigência de produção de um novo lugar social para as pessoas com sofrimento psíquico.

Saiba Mais
Você pode ampliar seus conhecimentos sobre o tema lendo a seguinte obra: GOLDBERG, J. A clínica da Psicose. 2. ed. Rio de Janeiro: Te corá – Instituto Franco Basaglia, 1996.

Na próxima página vamos continuar falando sobre este tema, destacando a importância da Lei 10.216 e ações dela decorrentes. Vamos até lá?