Módulo 9: Projeto Terapêutico Singular Na Clínica Da Atenção Psicossocial
Unidade 2: Recursos terapêuticos, estratégias de intervenção e intersetorialidade

Projeto Terapêutico Singular (PTS)
Acolhimento: escuta, vínculo e responsabilização pelo cuidado
Matriciamento na Atenção Psicossocial
Atenção Domiciliar e Familiar
Psicofármacos
O cuidado em situação de crise, urgência e emergência
Grupos terapêuticos
Oficinas terapêuticas
Oficinas de geração de trabalho e renda e cooperativas sociais

Grupos terapêuticos

Trabalhar com grupos sempre constitui uma tarefa desafiadora para os profissionais, seja porque as formações tradicionais em saúde não consideram suficientemente esse instrumento, seja pelo fato de a cultura ocidental privilegiar o indivíduo e o tratamento individual.

A formação e o trabalho com grupos, em qualquer área, exige uma atenção especial às suas especificidades, não devendo ser utilizados como uma maneira de resolver o problema quantitativo da expressiva demanda da população que procura os centros de saúde. Utilizar o grupo como forma de resolver esse problema acaba acarretando outros, como o prejuízo para a qualidade do atendimento prestado, por exemplo.

Sendo assim, é preciso avaliar inicialmente se o usuário a quem indicamos a participação em um grupo, de fato, pode beneficiar-se dele ou se seria preferível outra forma de atendimento.

De início, convém fazer algumas observações sobre os grupos de maneira geral para, em seguida, tecermos algumas considerações sobre os grupos terapêuticos propriamente.

É facilmente demonstrável que o ser humano é naturalmente gregário e que, desde o início de sua vida, depende dos cuidados de outros seres humanos para que possa sobreviver. A partir de então, passaremos toda a nossa vida relacionando-nos com outras pessoas, em diferentes condições e tipos de grupos, e em uma busca constante por diferenciação e semelhança (identificação) com os outros. Desde a partir do grupo familiar primordial da infância, na escola, na vizinhança e na comunidade onde se vive, até aos grupos de trabalho, nossa vida se constitui através dessas relações, tornando-se um verdadeiro mito a ideia de uma vida completamente independente dos outros. Podemos afirmar a partir daí que não existem limites precisos entre o indivíduo e o social ou a coletividade, mas, antes, que essas dimensões se interpenetram e complementam entre si.

Neste sentido, segundo Zimerman (1997, p. 27):

(...) é legítimo afirmar que todo indivíduo é um grupo (na medida em que, no seu mundo interno, um grupo de personagens introjetados, como os pais, irmãos, etc., convive e interage entre si), da mesma maneira como todo grupo pode comportar-se como uma individualidade (inclusive podendo adquirir a uniformidade de uma caracterologia específica e típica...) (grifos do autor).
Importante assinalar que o fato de os membros de um grupo apresentarem respostas ou condutas semelhantes não significa que um grupo seja uma unidade. A uniformidade do comportamento grupal deve-se mais a um efeito da teoria grupal no observador ou terapeuta de grupo do que propriamente uma realidade. Isso significa dizer também que não existe uma essência de grupo que possa ser abstraída do contexto em que ele se insere. Cada grupo deve ser compreendido a partir de suas características, seus objetivos, suas formas de organização, seus modos de comunicação e que produzem em seus integrantes uma fantasia sobre o grupo e o estar no grupo (BEZERRA JÚNIOR, 1994).

Apesar dessa diversidade, existe certa concordância em relação ao que se pode considerar como um grupo: não basta que seja uma reunião de pessoas no mesmo espaço e tempo, nem mesmo com objetivos em comum. Isto constitui apenas um agrupamento. Além desses elementos, é imprescindível que haja relação e interação entre essas pessoas para que haja um grupo.

A partir dessa conceituação, podemos ainda distinguir os grupos segundo um critério amplo, como o apontado por Grimberg et al. (1976): os grupos sociais e os grupos terapêuticos. A diferença entre eles encontra-se nos objetivos, sendo que o grupo terapêutico está voltado para a efetivação de um tratamento, e na presença de um ou mais profissionais que dirigem esse tratamento, ou seja, o(s) terapeuta(s). Nosso interesse recai sobre estes.

No campo da saúde mental, a utilização do dispositivo grupal de caráter terapêutico apresenta várias possibilidades e indicações. Veja a seguir as mais notáveis (VILLARES apud CUNHA; SANTOS, 2009):

Possibilidades e indicações dos grupos terapêuticos

  • A inclusão do paciente em um espaço onde podem ser criados relacionamentos sociais significativos;
  • a reconstrução de laços afetivos, papéis sociais e códigos de convívio social;
  • a diminuição do isolamento e a experimentação de novas maneiras de contato interpessoal;
  • a ampliação do repertório de atividades expressivas, sociais, culturais, por meio do compartilhamento de projetos e da própria execução de atividades grupais; e
  • a reconstrução de narrativas que ressignifiquem a própria história.
Em relação à constituição e ao funcionamento dos grupos terapêuticos, alguns aspectos devem ser observados para que os seus objetivos possam ser alcançados. Confira na animação a seguir:

Grupos Terapêuticos

A função de coordenação
A função de coordenação, que se trata principalmente de uma função de facilitação do processo grupal, de intermediar o desenvolvimento da tarefa de maneira adequada e sem se tornar o centro ou o foco das atenções. Tem também a função de observador dos acontecimentos no grupo e, ao mesmo tempo, a de promover a compreensão desses acontecimentos. Deve-se avaliar constantemente as necessidades dos integrantes do grupo, empregando técnicas e estratégias necessárias para seu funcionamento. Para que essa função possa ser adequadamente desempenhada, requerem-se alguns atributos pessoais: conhecimento dos processos grupais (domínio teórico e prático); senso ético (cuidado e sigilo com o que se diz e faz no grupo); respeito pelos processos individuais e características de cada integrante; proporcionar continência às angústias dos participantes e às suas; capacidade de comunicar-se com os demais de modo apropriado; conhecer suficientemente a si próprio, seus valores e “pontos-cegos”; colocar-se suficientemente próximo para compreender as experiências relatadas, mas não tanto que chegue ao ponto de confundir-se com elas (dissociação instrumental) (BLEGER, 1989); capacidade de produzir síntese e integração dos diferentes conteúdos que aparecem no grupo (ZIMERMAN, 1997);
A estrutura do grupo
A estrutura do grupo, o qual pode ser organizado de diferentes formas, o que lhe imprime também diferentes modos de funcionamento. Inicialmente, em relação à sua constituição, podem ser heterogêneos (constituídos por pessoas com diferentes diagnósticos e/ou demandas), intermediários (combinação de características dos integrantes) e homogêneos (reunidos segundo seus diagnósticos ou outro critério geral) (ZIMERMAN, 1997).
A dinâmica de funcionamento
A dinâmica de funcionamento, por meio da qual fica estabelecido: se os grupos serão abertos, admitindo a entrada de novos integrantes a qualquer momento ou sempre que aconteça a desistência de algum participante; ou fechados, quando não há novos ingressos mesmo que haja desistência. A escolha por uma das formas também resulta em modos de funcionamento diferenciados, sendo que, nos grupos fechados, costuma ocorrer um incremento da confiança entre os participantes, promovendo um aprofundamento maior das questões trazidas aos encontros (ZIMERMAN, 1997).

Os grupos terapêuticos são, portanto, importantes instrumentos de trabalho no campo da saúde e da saúde mental. Seu emprego adequado depende de critérios técnicos e teóricos que devem ser observados pelo profissional para evitar seu uso indiscriminado. Neste estudo, procuramos relacionar alguns desses critérios e as possibilidades de funcionamento desse dispositivo de atendimento.