O uso de atividades de trabalho ou de produção não constitui uma novidade no campo da saúde mental. Desde as concepções próprias do “tratamento moral” nos grandes hospícios já se propunha a ocupação do louco com atividades laborativas na busca de torná-lo menos sujeito aos prejuízos causados pelo ócio. Facilmente se percebe o caráter moral de tal proposta.
Ainda hoje, em serviços de saúde mental substitutivos, essa lógica do senso-comum de atribuir ao trabalho qualidades terapêuticas inerentes permanece presente. O dito popular “mente parada, oficina do diabo” reflete claramente essa perspectiva. Da mesma maneira, o risco de tomar as oficinas como forma de entreter os usuários, isto é, de dar-lhes algo para fazer como forma de passar o tempo ou de retirá-los do imobilismo próprio de algumas condições características dos transtornos mentais não pode ser ignorado, mas deve ser problematizado permanentemente.
Como apontado exemplarmente na Linha-guia de Saúde Mental produzida pelos técnicos da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais:
(...) De qualquer modo, ao invés de compreender as oficinas como um “procedimento”, trata-se do desafio de invenção de complexas redes de negociação e de oportunidades, de novas formas de sociabilidade, de acesso e exercício de direitos: lugares de diálogos e de produção de valores que confrontem os pré-conceitos de incapacidade, de invalidação e de anulação da experiência da loucura. Em outras palavras, não devemos usar as oficinas como uma resposta pré-formada, e sim produzi-las como recurso nos processos de singularização, de produção de emancipação e de construção de cidadania na vida social dos portadores de sofrimento mental (SOUZA, 2006, p. 72).Uma das formas privilegiadas de trabalho no campo da Saúde Mental e da Reforma Psiquiátrica tem s ido o uso de oficinas terapêuticas. O Ministério da Saúde define e apresenta os objetivos das oficinas terapêuticas como “[...] atividades grupais de socialização, expressão e inserção social” (BRASIL, 2004b, p. 240). Entretanto, o que a prática revela é que essa definição ampla pode ser aplicada a uma grande variedade de atividades, dificultando uma compreensão mais precisa desse instrumento.
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Os mesmos autores procuram diferenciar ainda os tipos de oficina encontrados nos serviços substitutivos de saúde mental:
A atividade deve também enfatizar a autonomia, o processo criativo e o imaginário do usuário, fornecendo possibilidades para sua constituição como sujeito para além do diagnóstico psiquiátrico (despsiquiatrização) ao valorizar suas capacidades e potencialidades produtivas. O espaço das oficinas terapêuticas permite uma relação não mediada pelo diagnóstico e pela lógica da doença, promovendo os aspectos mais saudáveis do sujeito. A valorização da originalidade e da expressividade permite transformar a experiência solitária da diferença em algo possível de suportar, pois se torna viável transformá-la em linguagem que atinge o outro, que pode comunicar algo para alguém de modo compreensível e sem provocar rejeição por isso. Somente respeitando esses aspectos é possível a expressão e a elaboração de sentimentos, emoções e vivências singulares, configurando um processo terapêutico efetivo.
Concluindo, vimos neste estudo como as oficinas terapêuticas podem se tornar instrumentos importantes para o trabalho em saúde mental.