De maneira semelhante às oficinas terapêuticas, a noção de trabalho como recurso terapêutico não é nova. Inserido no imaginário das sociedades capitalistas como modo de inserção no mundo, o trabalho nessas mesmas condições mostra facilmente seu caráter adoecedor como causa ou desencadeante de uma série de problemas de saúde, inclusive dos transtornos mentais. Isso significa que o trabalho não detém, em si, qualidades terapêuticas que lhe seriam inerentes.
Por outro lado, na história das políticas públicas brasileiras, a educação pelo trabalho sempre ocupou a função de ordenamento das classes sociais empobrecidas, tradicionalmente vistas como culpadas por sua própria condição por não se adequarem suficientemente ao esforço necessário para mudar de vida. Ora tida como incapacidade, ora como preguiça, essa falta de qualidades morais dos mais pobres se procurava combater também com estratégias de correção moral que têm no trabalho seu mais forte recurso.
O Ministério da Saúde do Brasil propõe a criação e o fortalecimento dos Programas de Inclusão Social pelo Trabalho, cuja principal finalidade seria a contribuição para o exercício de cidadania pela reabilitação social e econômica através da geração de renda, cooperativa de trabalho, empresa social, associações de usuários e familiares, entre outros (BRASIL, 2005c).
Segundo o mesmo documento, os Programas de Inclusão Social pelo Trabalho devem promover:
Saraceno (1999, p. 126) nos fornece indicações importantes para responder a essa pergunta:
O trabalho, entendido como “inserção laborativa”, pode, ao invés disso, promover um processo de articulação do campo dos interesses, das necessidades, dos desejos [...] Neste momento as cooperativas integradas são ao mesmo tempo serviços (de tratamento) e lugares de produção (no mercado), e esses dois aspectos são mediados pela sua função formativa [...] lugares de promoção da autonomia bem como de proteção: funções que deveriam ser próprias de um bom serviço de saúde mental.O que se aponta aqui é a possibilidade de o trabalho vir a ser tomado como um campo de investimentos do desejo, em que as oficinas funcionem como vetores que levam a novos territórios existenciais. Nisso reside a capacidade de somar, em um mesmo dispositivo, a função terapêutica (o “tratamento”) e a de produção, tornando-as indissociáveis.
Inicialmente, deve-se considerar que há a necessidade de compreender esse esforço como um processo que exige cuidado e atenção para que suas diferentes etapas não sejam ignoradas, correndo assim o risco de apressar indevidamente os acontecimentos. É necessário ter claro que não se trata de um empreendimento comercial que obtenha o lucro como fim, ou a exploração da força de trabalho de uns pelos outros. Ou seja, o que preside a organização das iniciativas produtivas é o princípio cooperativo e solidário, que se opõe a lógica pura e simples do mercado e da competitividade.
Por si só, este aspecto já se mostra contrapondo a lógica da organização cotidiana que os trabalhadores estão acostumados a experimentar, tão marcada pelo individualismo e pelo consumismo desenfreado. Portanto, os grupos de produção devem estar atentos ao ressurgimento desses aspectos que são facilmente reproduzidos e realizar esforços para que possam ser metabolizados no interior da própria experiência de trabalho cooperativo.
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