De maneira geral, em situações como essas, costuma-se recorrer a alguma modalidade de contenção, mecânica ou química, como primeira escolha, principalmente quando o momento de crise é marcado por agitação, delírios, alucinações ou manifestações mais exuberantes. Da mesma forma, ainda é prática corrente o recurso à internação psiquiátrica como forma de atender à crise, o que acaba justificando a manutenção da internação como principal dispositivo de cuidado, particularmente nas cidades onde não existem outros recursos de atendimento. Isso contribui para o adiamento da organização de uma rede substitutiva capaz de acolher a crise com estratégias diferenciadas e não segregadoras. O hospital psiquiátrico parece, dessa forma, sustentar uma função de garantia contra a crise diante da incapacidade de se lidar com ela.
Subjacente a esses procedimentos, encontramos a compreensão da crise como a demonstração inequívoca de uma doença mental, cujos sintomas precisam ser controlados a qualquer custo.
Entretanto, nem toda situação de crise exige esse tipo de intervenção, e a internação não pode configurar-se, portanto, como primeira e única escolha. É preciso avaliar uma série de elementos e buscar compreender o papel que cada um deles tem na situação, já que ela, a internação, pode ser indicada mais para atender às necessidades e angústias dos outros (incluindo a própria equipe de profissionais) do que as do próprio usuário em situação de crise.
Conceitos básicos
Inicialmente, seria importante procurar definir o que se entende por uma situação de urgência, de emergência e crise no campo da saúde mental.
O termo urgência, segundo o dicionário da língua portuguesa (HOLANDA, 1975) refere-se a: urgir; estar iminente; perseguir de perto; tornar imediatamente necessário; exigir; não permitir demora. No campo médico é definido como uma ocorrência de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita assistência imediata. Seu aparecimento ou agravamento é rápido, mas não necessariamente imprevisto e súbito.
Diferencia-se das situações de emergência porque esta se configura como constatação médica de agravo à saúde que implique em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo tratamento imediato, com surgimento imprevisto e súbito.
Assim, as diferenças entre situações de urgência e de emergência dizem respeito ao modo como surgem (de maneira previsível ou imprevisível) e à iminência do risco de morte. Em comum, dividem o fato de exigirem atenção ou cuidado imediato. Portanto, o tempo é uma dimensão primordial para podermos intervir de modo eficiente nessas situações. Desse modo, as situações de crise em saúde mental configuram-se primariamente como uma condição de urgência, e não necessariamente de emergência. Mesmo naquelas situações em que o risco de morte é significativo, como nas tentativas de suicídio, por exemplo, o que vai configurar esse momento como uma emergência é a necessidade de atenção ao quadro clínico, e não ao estado mental ou emocional.
Nesse sentido, outra distinção é necessária: a urgência em saúde mental é diferente de uma urgência médica ou clínica. Nesta, o profissional responsável pelo atendimento deve saber de antemão operar uma série ou sequência de procedimentos e protocolos, utilizar equipamentos e técnicas de modo eficaz, valer-se de um saber-fazer para poder reverter os riscos ou prejuízos que possam ocorrer. A urgência em saúde mental, por outro lado, é composta por elementos bem menos previsíveis e por uma grande complexidade de fatores que tornam os procedimentos padronizados pouco úteis. Isso pode ser explicitado ao considerarmos a noção de crise.
Inicialmente é importante relembrar que o termo crise está associado a situações de mudança que promovem algum tipo de desequilíbrio, de desestabilização, e que por isso exigem novas ordenações uma vez que a organização anterior encontra-se ultrapassada.
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Entretanto, quando se trata de crises que envolvem pessoas que têm algum tipo de transtorno mental ou com história de psiquiatrização, ou seja, de estabelecimento de respostas padronizadas pelo saber psiquiátrico tradicional, esses elementos parecem não ser levados em conta. Ao contrário, o que sobressai é a ideia de risco que normalmente se associa a essa situação e que impõe a necessidade de retirar o sujeito dela a qualquer custo, pela perspectiva exclusiva da crise como algo negativo.
De acordo com Del Acqua e Mezzina (1991), uma urgência psiquiátrica pode ser definida segundo os seguintes critérios, considerando a presença de pelo menos três deles: